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Jornal A Republica

Transcrição da Edição de 26 de Maio de 1906 – Pg. 2

                    As Fontes da Serra

    No intuito de visitar as obras que estão sendo executadas na Serra do Marumby para captação e adducção de agua potável para abastecimento d’esta capital, seguio ante hontem para aquelle ponto o exmo, sr. dr. João Candido Ferreira, Vice-Presidente do Estado, acompanhado dos srs. dr. Secretario de Obras Publicas, do seu oficial de gabinete e dos engenheiros da Obras de Saneamento drs. Simond e Alvaro Cardozo.

    A viagem foi feita pela estrada de ferro até a estação da Roça Nova, e d’ahi a cavallo até a sede da turma de construcção das obras da Serra, no logar denominado Carvalho.

   A estrada de rodagem percorrida até este ponto é de uso privado da Empreza de Saneamento; assenta sobre um terreno sumamente accidentado, desdobrando se larga e bem conservada pelo dorso das altaneiras montanhas que formam a Serra do Mar, n’um percurso de mais de 9 kilometros.

    Destinada a supportar o transporte de grandes cargas, foi solidamente construída e dotada de desenvolvimento suave de nível. As grandes arvores tombadas, os blocos de granito recentemente fendidos, os aterrados ainda novos e os recortes nos francos agros das montanhas revelam que a natureza virgem e sevatica fora despertada apenas da sua calma de séculos pelo intrujão do progresso a busca de alguma cousa preciosa nos seus arcanos thezouros...

     Quando se tem percorrido aquella bôa e estirada estrada e que se penetra em fim nos recônditos sanctuarios da natureza que a pesquisação da engenharia revelou, sente-se, pensando-se na sua destinação, certo consolo de tamanha destruição e na compensação da devastação atróz, porque d’aquellas fontes mysteriosas que marulhavam por ali ocultas sob as frondes compactas, vae manar a vida e a saúde para uma população inteira.

     E, portanto, nada mais poético, nem mais majestoso creou a natureza no mysterio das selvas que não fosse também retraçado no scenario, a um tempo suave e cariciante, estupendo e empolgante, d’aquellas serranias e florestas!

     Não é, porem, ainda tempo de gozar-se plenamente as bellezas que encerram as Fonte da Serra. A imaginação contemplativa é desviada constantemente pela orgia do labor titânico que fére e destróe para de novo construir e edificar.

    De continuo detonações enormes acordam echos e estertores pelas quebradas sem fim das montanhas e os rochedos rolam fragmentados, ou arremessados ao longe como por funda davidicas. É o formigueiro, o vai-vem do trabalho, o escavar das picaretas, o tanger compassado e verdiniano das bigornas apparelhando brocas, o baque surdo do granito crescendo nas muralhas, o jorrar das torrentes ainda não dominadas, ainda não represadas, carroções que descarregam, chicotes que estalam, arvores que tombam. É o cahos do trabalho, mas do trabalho em grosso, da obra colossal...

    Mais tarde, quando tudo ali voltar à quietação primitiva, quando nova vegetação e a acção do tempo cicatrizarem as feridas feitas, será um encanto pisar aquellas alfombras de nymphas, aquelles santuários de Flora.

    Superintende os trabalhos de captação das aguas da Serra o provecto e activo engenheiro dr. Carlos GThati, que na preoccupação insana de attender os múltiplos detalhes de obra tão colossal, consagra ainda assim pensamento de verdadeiro artista pelas suggestivas bellezas que a occorrência de casualidades vai patenteando.

    Como prova, ali está a famosa gruta, bem ao lado da principal repreza – ogiva imnensa de um rochedo bipartido, aguentando labyrintada e lustrosa ramaria de frondosas arvores, sobre o dorso da cupola, na qual a estractificação titânica fendeu natural zimbório, enquanto que os compartimentos esconsos e os muros rochosos surgem alindados pelo musgo verde e pela profusão de orchideas e trepadeiras pampanosas.

    Foi este recanto de incomparável beleza, descoberto no fundo da serva, que o dr. Thati tornou accessivel ao visitante, transpondo fundas grotas por meio de um longo viaducto, de troncos rústicos e de um estivado de fetus dispostos sobre os rochedos e formando a galeria encantada de um palácio de fadas.

     Nada mais pittoresco, Aquelle recesso augusto que amanhã será o templo das Marilias ou dos heroes de Santi-Pierre ainda ouvil-o-emos nomeados nas lyras dos nosso vates, e as Thalias entretecerão grinaldas de bucólicas suavíssimas, orvalhando-as com as crystalinas aguas que por ali escorrem.

   Não nos demoraremos na enumeração dos trabalhos de ordem technica executados até agora na Serra, os quaes já foram amplamente desciptos n’esta folha. Limitamo-nos por hoje em registrar a magnifica impressão que causaram ao exmo. sr. dr. Vice-presidente do Estado o andamento rápido das obras, a abundancia de mananciais que promanam das alturas das Serras e que todos foram vistos e admirados pelos excursionistas, n’um raio de muitos quilômetros e a certeza absoluta de que a cidade será abastecida de incomparável agua potável.

    Juntemos ainda palavras de admiração pela intelligente e fecunda direcção que no serviço de Saneamento vão imprimindo os activos empreiteiros, drs. Simmonds e Alvaro Cardoso e fechemos esta rapida noticia com palavras de reconhecimento pela fidalguia do acolhimento que ao exmo. sr. dr. Vice-presidente do Estado e aos seus companheiros de excursão dispensaram o ilustre sr. dr. Thati e sua exma. família.