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Jornal A Republica

Transcrição da Edição de 12/03/1908 - Pg. 1

 

         O Saneamento

     Demonstramos hontem à saciedade que o dr. Cardoso de Gusmão o ex-Procurador da Justiça do Estado, no artigo que publicou no “Diario da Tarde”, de ante-hontem, deixou patente a interferência do dr. João Candido, no contracto do saneamento, desde a negociação das bases da respectiva proposta, no Rio, com o sr. Alvaro de Menezes e os novos proponentes, até a aceitação final das mesmas bases, nesta capital. E terminamos o nosso artigo dizendo:

    “Quanto ao facto da suspensão da acção, que qualificamos de escandaloso, explica-o o dr. Gusmão de modo originalíssimo, demonstrando a justeza do nosso qualificativo”.

      É o que vamos provar hoje, servindo-nos das próprias palavras do ex-Procurador da Justiça do Estado. O dr. Gusmão não nega, e mesmo não poderia negal-o, que suspendeu o prosseguimento da acção rescisória proposta pelo Estado contra os ex-contractantes do saneamento. Eis como se exprime s.s. a respeito:

     “Começando do fim par o principio, por ser o ultimo articulado desse libello o mais importante para mim, direi que de facto telegraphei do Rio ao illustrado primeiro promotor publico da capital, dr. José Maria Pinheiro Lima, pedindo que sustasse o proseguimento da acção rescisória proposta pelo Estado contra os drs. Alvaro de Menezes e Octaviano Machado, até segunda ordem”.

    E explica em seguida a razão dessa suspensão. “Motivou esse meu telegramma, diz elle, a circumstancia de estar entabolado com o dr. Alvaro de Menezes um “accordo” para desistência da acção, sem ônus algum para o Estado e de modo a ficar livre este de qualquer obstáculo que o impedisse de concluir os serviços das rêdes de aguas e exgottos, da maneira que reputasse melhor ou mais conveniente aos altos interesses públicos”.

    E em seguida pergunta o dr. Gusmão triumphante, appellando para os advogados honrados e os que conhecem os deveres do seu officio e fazendo uma larga, mas excusada, dissertação de direito:

    “Em faze do exposto, seria honesto proseguir-se na causa emquanto se discutia o acordo ou a proposta que nelle importava?”

   É claro que não: desde que houve tal acordo, a mais elementar honestidade impunha ao Procurador da Justiça o dever de respeital-o, Sobre isto não pode haver duas opiniões, não havendo necessidade, para a demonstração de principio tão comesinho, das largas citações de direito e dos latinórios que o dr. Cardoso de Gusmão pespega nos seus críticos leigos.

    Mas não é este o caso. O que qualificamos de escandaloso não foi o facto de se suspender a acção, em cumprimento do accordo feito; foi o facto de se fazer esse accordo. E sobre isto o dr. Cardoso de Gusmão não diz nem uma palavra.

    Repetimos: o accordo feito com o dr. Alvaro de Menezes, para aceitar o Estado a desistência dos direitos delle e suspender a acção que contra o mesmo movia, afim de poder contractar com outrem as obras do saneamento, - foi escandaloso.

     Não é difícil deixar patente esse escandallo. Em petição que dirigiu ao sr. dr. Juiz de Direito desta capital, requerendo o sequestro dos bens e materiaes abandonados pela empreza do saneamento, disse o ex-Procurador da Justiça do Estado, documentando a sua petição:

1°) Que os ex-contractantes do saneamento faltaram, com a maior improbidade, ao cumprimento dos seus deveres e das obrigações que contrahiram;

2°) Que o Estado constituiu-se credor delles, ex VI do disposto no art. 227 do Codigo Commercial, que preceitua: O locador é obrigado a entregar ao locatário a cousa alugada, no tempo e na forma do contracto: pena de responder pelos danos provenientes da não entrega. A presente disposição é aplicável ao empreiteiro que deixar de entregar a empreitada concluída, no tempo e na forma ajustada;

3º) Que os contractantes, em virtude da inexecução do contracto, perderam a caução que tinham no tesouro.

     Isto quer dizer, segundo direito civil, que em virtude da violação do contracto, nas condições em que ella se deu, desobrigou-se o Estado dos compromissos que assumira para com os contractantes e adquiriu o direito de exigir delles a reparação dos prejuízos que lhe causaram.

    Porque, pois, foram abandonados os direitos do Estado? Porque, em vez de serem amparados esse direitos, perante a Justiça, - ao contrario ainda se faz, com os violadores do contracto, com aquelles mesmos que violaram o direito e lezaram enormemente a fazenda publica, um accordo para desistir o Estado da mesma acção rescisória?

   Seriam porventura duvidosos os direitos do Estado?... Na petição a que acima nos referimos, o Procurador da Justiça entendia, pelo contrario, que esses direitos estavam bem aparados.

   Nesse caso, perguntamos ainda: porque abrir mão dos direitos do Estado, me favor dos violadores do contracto?... Sabe-se que o dr. João Candido entendia que rescindir o contracto por decreto do poder executivo seria arrastar o Estado a pesados e imprevistos sacrifícios.

   Mas porque não se fez a rescisão judicial? Porque, em vez disso, se entabolou com o dr. Alvaro de Menezes o “acordo” para desistência da acção, de que fala o ex-Procurador da Justiça? É o que até hoje ficou sem explicação.