O additamento
Era nosso intuito deixar em silencio que a empreza de saneamento da Capital prosseguisse no comprimento das obrigações assumidas pelo contracto de 13 de Abril de 1904. Entendemos que uma vez posta em execução as obras, em tão má hora abandonadas, e uma vez que a fiscalização se acha com poderes para, não só conhecer as condições technicas, como das econômicas do serviço, nada mais era dado fazer, a não ser acompanhar com interesse patriótico a continuação dos trabalhos, procurando acautelar a causa publica e visando, tanto quanto nos fosse possível, prevenir novas e desagradáveis surpresas.
Deste proposito, vem tirar-nos o acto menos ponderado da administração do Estado, modificando as condições de pagamento das ultimas prestações devidas aos empresários e desfazendo as garantias diminutas que restavam ao governo para exigir daquelles a fiel exacção dos seus deveres contratuaes.
Não há muitos dias, o orgam do governo com virulência de linguagem, aggredindo o nosso recactor-proprietario, declarava publicamente que o contracto das obras de saneamento não offerecia outra garantia a não ser a honestidade dos contractantes. Triste confissão, essa que um governo se anima a fazer coram populo, porque o bom senso esta a indicar aos próprios incautos que o êxito de uma empreza de caracter econômico não depende somente da competência e honestidade dos seus directores; é mister que alliado a estas duas qualidades se ache o capital, sem o que nada de pratico pode resultar dos esforços despendidos.
Pois bem, o governo do Estado tinha estabelecido pelo additamento de 5 de Dezembro de 1905 pagar as 3 ultimas prestações de 222:222$222 devidas aos empresários nos seguintes prazos: a 1ª trinta dias depois de terminadas as obras nos termos da clausula 17 do contracto; a 2ª sessenta dias depois da 1ª; e a 3ª depois de terminado o prazo de garantia da obra de que trata a clausula 19.
Da ligeira exposição que acabamos de fazer, baseada nos rigorosos termos do additamento, letra b da clausula 2ª se deprehende que o governo, estipulando o pagamento de taes condições, nada mais quis que reforçar a caução, uma vez efectuados os pagamentos em moeda corrente. Pois esta pequena garantia que ainda restava ao Estado vem de desaparecer porque o governo, desejando ser amável aos contractantes, revogou a forma dos pagamentos, despindo o Estado das frágeis cautelas que ainda prestigiavam o interesse publico.
É assim que o orgam official publicou no numero de sábbado, um novo additamento ao contracto, que manda pagar a empreza, dentro de 30 dias a primeira prestação de 222 contos, que somente deveria ser paga quando terminadas todas as obras! Ora, justamente quando o contracto acaba de ser ferido pelo emprezario, que deixou em abandono as obras emprehendidas, empregando sua actividade noutros avultados negócios, extranhos a economia do Estado; justamente quando a população clama por medidas acauteladoras, houve o governo por bem, por patriótico e por digno despir-se das garantias, desfazer-se das cauções diminutas que fortaleciam seus direitos!
Mas não fica ahi a generosidade do governo: o contracto de 13 de Abril tinha, na clausula 19, estabelecido que os contractantes ficavam obrigados a responder pela regularidade do serviço dentro do prazo de 6 mezes immediatos à conclusão das obras, e o additamento de 5 de Dezembro do anno passado determinou que só depois de exgottado o prazo de garantia, seria paga à empreza a ultima prestação devida.
Pois bem, pelo additamento de ante-hontem, o governo do Estado resolveu pagar esta ultima prestação, logo após a conclusão das obras e antes, portanto, de decorrido o prazo da clausula 19!
Quer isto dizer que no caso de um resultado negativo do serviço, não restará ao governo outra garantia a não ser um terço da caução de 10%, pois que vem abrir mão das diminutas cautelas com que se buscou cercar o interesse publico.
Infelizmente, a serie de irregularidades que vimos de apontar não está terminada: resta-nos ainda estudar a forma de pagamento das quantias caucionadas, forma que pelo additamento de 11 do corrente restringe a garantia efetiva do Estado a 3 e pouco por cento, em vez de 10% como se acha estipulado.
É, com bastante pezar, que o governo obriga-nos a sahir do proposito em que nos achávamos e vir, no cumprimento do dever jornalístico, profligar o abuso que não se justifica.