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Jornal Diário da Tarde

Transcrição da Edição de 03/05/1907 - Pg. 2

                          Secção Alheia

                         O Pananá de Coritiba

    Os telegrammas de Critiba, publicados no “Jornal do Commercio” illuminam de sinistra lua um dos mais negros episódios da escandalosíssima administração do fallecido sr. Vicente Machado, quando governador do Paraná.

     Dissemol-o deste já. O respeito que nos merece o augusto mysterio da morte não vae até poupar das nossas censuras os mortos, cuja acção nefasta se faz ainda sentir no seio do povo como consequencia da sua vergonhosa passagem pelas espheras do governo, e cujos crimes, depois de terem consumido o sangue dos administrados, vão-lhe agora tirar a ultima gota da seiva vital.

   Há pouco ainda, discutiu-se na imprensa desta capital, e na do Paraná os echos dessa discussão repercutirem com extrema violência; a importância e a origem da fortuna deixada pelo sr. Vicente Machado, fortuna que de modo algum estava em correspondência com os bens por elle herdados de seus paes ou parentes, nem com os lucros de sua carreira profissional pouco activa e muito menos com os hábitos de luxo e prodigalidade pelos quaes elle era conhecido.

    Trata-se evidentemente, e pode-se diser indubitavelmente, de uma fortuna filha do desvio das boas regras no exercício do poder, em má hora entregue em suas mãos pelos seus conterrâneos, e de uma serie de actos de corrupção com os quaes esse legislador da Republica conspurcou o mandato de representante do povo.

   O perfil desse infelicíssimo homem já não está por fazer. Fel-o em tempo numa secção memorável do nosso Parlamento um deputado que não receou as replicas dos amigos do sátrapa potente e previu o que ia ser  e o que foi de criminosa a administração de Vicente Machado no governo do Paraná. Não deve ser esquecido que o sr. Alfredo Varela denunciou os crimes de Vicente Machado, ainda este não havia tomado conta do Estado do Paraná, e, si o Parlamento, o governo e a imprensa tivessem cumprido o seu dever, aquella terra desgraçada não teria sofrido os saques sobre os quaes projeta tamanha lus o telegramma de hontem do “Jornal do Commercio”, a respeito da liquidação da obras do saneamento de Coritiba.

   O telegramma fala em dinheiros retirados pelos contratantes dessas obras sem que conste no Thesouro do Paraná qualquer documento que a isso os autorisasse e é fácil descobrir quem foi que autorisou ou melhor ordenou tal pagamento.

    Fala das obras do saneamento “criminosamente abandonadas pelos contratantes”, mas não diz que um destes esteve em Paris e contribuiu com o sr. Vicente Machado para levantar empréstimo externo destinado ao resgate das apólices do empréstimo interno, especialmente decretado para a execução dessas mesmas obras e não accrescenta que é pelo menos singular que os contratantes, sendo brasileiros, assignassem em Paris o compromisso de aceitação das apólices em ouro e o assignassem exatamente a 14 de dezembro quando já todas as esperanças de salvar o sr. Vicente Machado da enfermidade que o matou estavam perdidas, e tudo fazia crer que não chegaria vivo ao Brasil, ou pelo menos, ao Paraná.

    Si o successor do sr. Vicente Machado e o congresso paranaense quiserem ser dignos das responsabilidades que lhes cabem nesta hora, para eles tão temerosa, si a opposição politica naquele Estado se resolver cumprir com energia o seu dever, uma devassa completa deve ser ordenada e praticada em todo esse Panamá do Saneamento de Coritiba.

    Verifica-se então que as obras nem foram completadas nem foram executadas segundo as condições do contracto e mujito menos de accordo com preceitos da sciencia mais moderna, que ellas foram um continuo escândalo desde o projecto até  ao contracto, desde o pagamento da primeira prestação até o compromisso relativo às apólices em ouro.

    E mais: que o sr. Vicente Machado era socio dos srs. Alvaro de Menezes e Octaviano Machado, que elle Vicente Machado, recebera mil contos em apólices do empréstimo interno a titulo de pagamento da sua parte de lucros e que todas essas vergonhas só eram desconhecidas no Paraná pelas pedras das calçadas.

   É para desejar que a oposição que teve um terço na câmara, não se sinta por isso impedida de cumprir neste momento o seu dever sagrado.

(Editorial d’O Seculo da capital federal).