Aguas e esgotos
Publicamos sábado a carta que, em replica ao nosso editorial do dia anterior, nos enviara o sr. Eduardo Moura, representante da Empresa Paulista de Melhoramentos no Paraná.
Sem que nos anime o desejo de entreter polemica e apenas impulsionados pelo único dever que nos incumbe como legítimos interpetres da opinião publica, continuamos a manter em toda a sua plenitude as allegações que havíamos produzido para demonstrar a péssima maneira porque está sendo tratada a população coritibana, em relação ao serviço de aguas e esgotos.
Não precisaríamos invocar outros argumentos do que aquelles que se contem no nosso numero de sabbado, para mais uma vez affirmar que a Empreza agiu sempre como uma entidade soberana para quem só tem valor suas opiniões individuaes: - a carta que o sr. Eduardo Moura nos enviou e o officio que o sr. Secretario de Obras Publicas recebeu.
Em ambos esses documentos a Empreza, procurando tapar o sol com uma peneira, nega razão a todo o mundo. Não são unicamente falsas, errôneas, injustas e inexatas as fidedignas informações em que nos baseáramos. O illustre dr. Claudino dos Santos, reclamando providencias contra as más condições de potabilidade das aguas, não tem igualmente razão, porquanto a agua fortemente colorida que durante semanas consecutivas nos vem da serra é uma agua de primeira ordem!
Não se pode, em realidade, avançar a tanto, com tanta falta de habilidade e de fundamentos.
A Empreza quer negar o que todos os habitantes desta cidade estão sentindo e verificando pelos seus próprios olhos. O que dissemos é a expressão da verdade. Accordamos, entretanto, em reconhecer que não são ainda igenoas as reclamações dos proprietários contra a Empreza, porquanto ainda relativamente pequeno o numero de instalações domicilliares realisadas; mas que este numero cresça e com elle crescerá o clamor dos que, ao cabo de tantos anos, verificam que se lhes offerece um serviço sanitário muito differente daquele que esperávamos ter.
Quanto ao preço das installações é possível que sporadicamente uma ou outra venha a custar importância inferior a 700$000, mas a media geral, de acordo com os preços atuaes da Empreza, não diffirirá grandemente daquella importância, o que será muito fácil provar, tendo em vista o verdadeiramente se entenda por uma installação modesta.
O representante da Empreza não ousou contestar as dfiferenças de preços que apontaremos para algumas das peças das installações; em compensação foi escolher algumas outras que declara serem-lhe favoráveis.
Nesta escolha não foi a empreza absolutamente feliz. Pelo menos quanto às manilhas de 4”, a differença de preço apresentada nunca existiu e não temos o menor receio e provar essa asserção, por meio de uma comparação entre as duas tabellas por ella referidas.
De facto pela tabella organizada em 1907 pelos árbitros por parte do governo federal, dr. João Felipe Pereira e por parte da The Rio de Janeiro City Iprovements, dr. Alvaro Gomes de Mattos, tabella que ultimamente estava sendo modificada em sentido ainda mais favorável para os proprietários cariocas, o preço estabelecido para o metro corrente de manilha de 4” de diamentro, era de 8$100.
Mas ao passo que esse preço compehendia o fornecimento e assentamento do material, incluindo excavações, reposição de terras, levantamento e reposição de assoalhos e de calçamentos de alvenaria ou de parallelepípedos, remoção do material supérfluo e concerto de qualquer avaria ordinária para excavação até 1,00 de profundidade, o preço de 5$000 estabelecido pela Empreza Paulista de Melhoramentos no Paraná, para o metro corrente da manilha do mesmo diâmetro, comprehende simplesmente o fornecimento e assentamento do tubo e a excavação e enchimento da valla.
Si se considera, pois, que para o metro quadrado de levantamento e reposição de calçadas e soalhos a Empreza tem o preço de 2$000, segue-se que em realidade o custo do metro corrente de manilha de 4”, é em Coritiba igual a 7$000 e não a 5$000.
Existe assim uma diferença, não de 3$100, mas apenas de 1$100 sobre o preço estabelecido no Rio de Janeiro. Agora, si observamos que o preço de 8$100, ainda comprehende a remoção do material supérfluo e os concertos de qualquer avaria ordinária, não englobados no de 7$000; si levarmos em linha de conta o preço de mão d’obra, muito mais elevado no Rio de Janeiro do que em Coritiba, vê-se que não obstante o onnus de transporte entre Paranaguá e esta ultima cidade, a differença invocada se reduz à zero.
É preciso que se tenha presente esta observação: a companhia de esgotos, no Rio de Janeiro, leva a canalização, à sua exclusiva expensa, até o limite da propriedade, ao passo que em Coritiba, recahe sobre o pobre proprietário todo o encargo, não só da construcção da tubagem, a partir dos collectores geraes das ruas, como ainda, para cumulo da injustiça, o da conservação de toda essa tubagem.
Attendendo a essa observação figuremos o seguinte caso:
“Tem-se uma casa, cuja frente está collocada no alinhamento geral de uma rua de 20 de largura, calçada a parallelepípedos. Saber qual o preço da ligação para a installação de exgotos nesse prédio, considerando que o collector geral passa pelo eixo da rua, e que a extensão do ramal de ligação é de 30 metros”.
No Rio de Janeiro teríamos:
10 metros a 0 Rs. 0$000
20 metros a 8$100 162$000
Total 162$000
Em Coritiba
30 metros a 7$000 210$000
Isso quer significar que mesmo que fosse dada a hypotese de custar 10$000 o metro corrente de manilhas de 4”, no Rio de Janeiro, ainda assim seria um preço mais razoável que o de 5$000, a que se refere o representante da Empresa de Saneamento de Coritiba.
Segundo estamos informados, o que a Empreza reputa trabalhos extra-contractuaes são trabalhos a que era necessariamente obrigada, como por exemplo, dente os que são citados pelo seu representante, a construcção de 5 kilometros na rede geral de esgotos.
Não se pode comprehender como sendo chamada para completar as obras iniciadas pela empreza do dr. Alvaro de Menezes, não fosse a actual empreza obrigada a deixar inteiramente concluída a rede de esgotos.
A prevalecer a extranha doutrina sustentada pela empreza, doutrina contra a qual sabemos ser systematicamente contrario o dr. Niepce da Silva, digno Director de obras e viação, si os antigos empresários tivessem deixado apenas um metro de extensão concluída na rede exgotos, a cidade teria que se contentar a ser servida unidamente pela rêde de abastecimento d’agua.
O que é certo, à esse respeito, é que não são poucas as reclamações havidas pela falta de alguns trechos na rede de exgotos, recusando-se a Empreza a completal-os em detrimento dos interesses de muitos proprietários.
Damos a palavra aos senhores representantes do governo para que elles attestem, com franqueza, quanto de verdadeiro vae na affirmativa de que a Empreza se empenhou sempre em corresponder aos desejos do governo a attender os interesses da população e para que nos digam ao mesmo tempo si com o estabelecimento das taes torneiras de que tantos reclames faz, a Empreza não teve por único e principal escopo o demonstrar aos olhos do povo, já incrédulo em face dos insucessos do serviço na sua primeira phase, que a agua circulava efectivamente pela canalização urbana da capital.
Finalmente, no seu afan de destruir soberanamente todas as opiniões, todos os factos que contra ella se levantam, a Empreza tem o desembaraço de tentar provar que a agua francamente má que nos está fornecendo é uma agua pura e inoffensiva.
Para isso, achando que é uma raridade o que todos nós com bons fundamentos reputamos um facto repetido, em face do regimen de aguas na serra, apella para os resultados de uma anlyse chimica feita em 1904.
Ora, em primeiro lugar, tal analyse se refere a amostras tomadas no ribeirão do Carvalho, portanto, sendo muito os mananciaes captados, a analyse não se pode referir a todos elles.
Mas a amostra que foi submetida ao exame do laboratório chimico da Escola Polytechnica de S. Paulo não é evidentemente a que seria, si tomada respectiva fosse feita actualmente, por exemplo.
A agua analysada tinha um aspecto bom. No fundo de alguns vidros, dos que foram apresentados, havia apenas um deposito de terra avermelhada. Entretanto o peso do oxigênio fornecido pelo permanganato de potássio para a queima das matérias orgânicas foi de 4,40m gr., quando a agua deixa de ser potável logo que esse peso vae pouco além de 2 milligrammas.
Dando de barato que a alludida analyse revelasse effectivamente uma agua de muito boa qualidade, podemos garantir que na actualidade ou sempre que cahirem chuvas mais fortes na bacia dos mananciaes, a agua que vem par a cidade não offerecerá o mesmo gráo de potabilidade então revelada.
Sendo frequentes as enxurradas na serra, salvo quando sobrevem algum período mais longo de estiagem em que o volume dos rios captados se reduz assustadoramente, segue-se que à população de Coritiba estará sempre sugeita a estas alternativas: - agua avermelhada e perigosa em 2/3 partes do anno; agua regularmente boa, mas bastante escassa, na parte restante.
As simples providencias das caixas de areia e limpeza do leito dos mananciaes, levadas a efeito diante de repetidas exigências da Secretaria de Obras publicas, segundo nol-o asseguram, e não espontânea da Empreza, como o seu digno representante procura fazer acreditar, não são medidas sufficientes para potabilisar a agua fornecida à população de Coritiba.
Taes medidas terão quando muito a virtude de deminuir a proporção de matéria orgânica em suspensão, mas deixarão seguir para o consumo a maior parte de tal matéria e toda a que estiver em dissolução.
Processos mais enérgicos e radicaes serão precisos para que a agua do nosso abastecimento perca, pelo menos, esse aspecto que tão gravemente suspeita a torna debaixo dos nosso olhos.
Não se apavore a Empreza com a ideia de grandes officinas de filtragem como a de Buenos Ayres, por exemplo. Mais modestas são inegavelmente as nossas exigências, mesmo porque pelo seu pequeno gráo hydrometrico as aguas da serra estão em seu estado natural em melhores condições de que as aguas do rio da Prata.
É provável que simples filtros de areia, conforme opina o dr. Niepce da Silva, adaptados convenientemente a cada uma das represas da serra, melhorassem consideravelmente o estado de perturbação que oferecem as aguas, epochas de chuvas, sem exigir o dispêndio de quantias muito elevadas.
As Emprezas, organisadas mediante favores officiaes, em suas relações com os clientes, não podem estar inteiramente adestrictas às condições, tantas vezes acandatos e pouco explicitas, que encerram as clausula de seus contractos. Os interesses mútuos exigem promptas accomodações, para a existência de uma harmonia perfeita e productiva.
A questão toda consiste no bom inicio da exploração dos serviços contractados e para isso é mais do que tudo preciso que o capital empregado não seja avaro e tão pouco se recuse a aplainar, de chofre, todos os obstáculos que fatalmente se lhe anteporão no começo.
Eis o que nos importa, por hoje, repisar sobre o tão momentoso quanto delicado assumpto do serviço de aguas e esgotos desta capital.