Notas e boatos

                                 Agua e esgotos

    Há alguns mezes, com uma reserva immesa, procurou-me em casa um cidadão de côr. A sua physionomia portava a estampa de qualquer cousa de musterioso e perplexo. Assustei-me quase ao defrontar esse homem singular que nervosamente, sob uma voz baixa, declarava ter uma extraordinária revelação a fazer.

- Sente-se, amigo.

- Não, coronel. O assumto, é grave e devo explicar-me o mais depressa possível.

- Pois então, queira falar...

- Coronel. Uma coisa horrível, medonha...

- O senhor está me enchendo de curiosidade. Diga logo o que tem a dizer.

- Coronel, eu sou seu amigo e por isso venho pedir-lhe que chame a attenção dos homens do governo para o facto espantoso que venho de ver. Imagine o senhor... A caixa dagua da cidade está coberta de sapos vivos e mortos. São aos montes aquelles animaes. Alem disso, a agua tem em cima uma crosta de immundícies e fervilha como uma fonte de agua quente, sulfurosa.

 - Mas isso que me diz não é possível.

 - Juro-lhe. Vi tudo com estes olhos que aqui estão.

  - Não creio, Em todo o caso irei chamar a attenção dos encarregados de fiscalizar o serviço, para que verifiquem o que há de verdade sobre o assumpto.

   E sahi de casa. Na rua encontrei-me em logo com um alto funcionário da secretaria de Obras Publicas, que de pois de soltas excellete gargalhada, disse-me:

     - O teu informante é um pobre ingênuo. Elle esta confundindo a caixa d’agua, o reservatório do alto de S. Francisco, com os tanques bacterianos, onde são tratadas as aguas dos exgotos.

      Aqui sim; é grande a quantidade de amphibios que sobrenadam mortos uns, vivos outros e as aguas sujas estagnadas nos tanques chamandos scepticos estãp em estado de gaseificação.

     Na caixa dagua, isto é, no reservatório de distribuição não seria possível que existisse um espectaculo de tão horroroso aspecto.

    Quando muito, ali, ao ser reduzido o nível do liquido, se poderá encontrar uma espessa camada de lamas, que são os depósitos dos sedimentos arrastados pelas aguas vidas da serra, infelizmente não submetidas a qualquer processo de filtragem.

       Eis tudo.

       Fiquei satisfeito com a explicação, mas nunca mais vi o tal preto que então me procurara.

     Hontem, porém, à tarde, novamente tornou elle à minha casa, com os seus ares sempre mysteriosos, a produzir a mesma historia dos sapos e das sujeiras.

    Transmitti a conversa que tive com o engenheiro, mas o homem não quiz absolutamente aceitar a explicação e foi-se bruscamente, murmurando umas phrases por onde comprehendi que elle sahira descontente, suppondo talvez que eu estivesse a proteger os sapinhos mortos da empreza de aguas e exgotos.

                                                                                   TULLIUS LUCIUS