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Jornal Diário da Tarde

Transcrição da Edição de 01/07/1913 - Pg. 1

 

                          A agua que Coritiba bebe

                         O “Diario da Tarde” visita a Serra, a caixa dagua e os filtros

Obras imperfeitas – Os rios captados só fornecem 3.500.000 litros quando gastamos 5.500.000 litros – Um tanque que custou 120 contos está abandonado.

     No intuito de trasermos o publico a par das questões que directamente affectam o seu bem estar, resolvemos averiguar o que de verdade existe sobre os mais palpitantes problemas em foco.

     Assim, iniciamos as nossas pesquisas sobre a questão da agua e esgotto. Para esse fim, acompanhamos à serra o sr. coronel Anibal Guimarães e dr. Paes, engenheiro e ajudante das obras publicas.

      Afora, o bello panorama, que logo em chegando se divisa, e que tanto agrada o viajante, nada mais se vê ali, no que diz respeito às installações e represas da agua, que bem impressione e justifique a somma considerável de dinheiro gasto.

     Dos serviços feitos para a captação dagua, pode-se sem exagero dizer: o que está em uso, é mau não satisfaz de fins a que se propõe e o demais era de tal forma invalido que a Empresa se viu forçada a abandonar por imprestável. Nesta segunda parte, encontra-se um grande tanque cuja construção custou 120:000$000, e por inútil foi posto de lado.

      Só este facto, justificaria a nossa severa censura ao governo que contractou taes serviços.  Por ahi o publico verá, o critério que presidiu essa construcção e de que forma foi gasta enorme somma de dinheiro publico.

     A nossa observação de hoje, veiu de modo seguro confirmar o juízo que anteriormente fisemos e que tanta celeuma levantou, por parque daquelles, que no afan profissional de defenderem os governos maus, deixaram no esquecimento, o incontestável direito do povo.

      Todo o serviço da serra para a captação de agua, foi executado e esmo e por tentativas impiricas. As fontes dagua de que lançou mão a celebre empresa de Alvaro de Menezes, são o melhor attestado do que affirmamos. Nenhum estudo serio se fez ali para a descoberta de mananciaes dagua.

      A empresa constructora ao em vez de se aproximar mais das fontes distanciou-se dellas canalizando-as por tubos, excepção da do Cayguava cujas aguas descem para a caixa de areia por um valle abaixo atravessando um enorme banhado.

     Essa agua, não precisamos diser: é pelas suas condições exposta a todas as impurezas e nas proximidades da caixa de areia forma um pequeno lago, em que se levanta luxuriante uma vegetação própria de banhados, accumulam-se as folhas das arvores que vão progressivamente apodrecendo. Uma camada de limo reveste as paredes do pequeno charco, que fornece agua à população coritibana.

      Esta é a fonte mais abundante, por isso que durante todo o inverno e as estiagens é utilisada para supprir a pobreza das demais fontes, taes como ado Uru, Mico, Cayambóra, Braço do Carvalho e a do Salto. Dessas fontes partem pequenos fios dagua, apanhados aqui e ali e que se dirigem todos para a caixa de areia da represa do Carvalho, excepto o do Salto que encontra o cano adductor um pouco abaixo desta represa.

     A agua canalisada para a caixa de areia da represa do Carvalho, antes de entrar no cano adductor a livra entretanto de certas impurezas e detrictos.

       A da fonte do Salto entra para o cano geral depois de passar também por uma caixa de areia.

      Todas as represas já mencionadas, dado o descaso e a falta de critério da empresa constructora, se ressentem de innumeras falhas.

     Uma tela que cobrisse e resguardasse as caixas de areia, ali não existe, como também não existe uma outra tela, que expurgasse as aguas das folhas e das sujeiras que ali se accumulam.

    Os tanques collocados na frente das caixas de areia do Cayguava, Mico, Urú, Cayambóra, são também como aquellas caixas expostos e a construcção sem revestimento, dá lugar a que as aguas irrompam, estagnando-se nos mesmos tanques.

       As fontes que correm para a caixa de areia do Carvalho, são tão insufficientes que para enchel-a, demoram 42’.

      Fora esses defeitos, não pequenos, já ennumerados e que concorrem para tornar a agua excassa e perigosa à saúde publica, devemos mencionar a inexistência de filtros, falta essa inominável, pois não se comprehende que esse serviço tenha sido installado, deixando-se no esquecimento a peça mais importante e necessária do seu mechanismo.   

       Os cento e vinte contos desperdiçados com o tanque junto à represa do Carvalho, e que está hoje abandonado, poderiam, ter sido applicados na construcção dos indispensáveis filtros.

       E si não fora a benevolência do nosso clima salubérrimo, por certo já teríamos registrado as péssimas consequencias que aquella falta imperdoável, traria, se não tivessemos à felicidade de viver sob a excellencia desse clima.  Ao actual governo cumpre com a maior urgência e por qualquer forma remover esses males, que poderão amanhã por em perigo a saúde publica, estudando também os meios de augmentar as captações, pois como vimos as actuaes são insufficientes com o aumento crescente de nossa população.

      As captações actuaes fornecem diariamente três milhões e quinhentos mil litros dagua e o dispêndio é de cinco milhões e quinhentos mil, e isto para 2.599 instalações.

       Como se vê é insufficiente o numero de litros dagua captada, para attender aquelle gasto, mas se attendermos que o dispêndio attingiu aquela considerável cifra, pela falta de hydrometros, não erramos em afirmar que a culpa cabe ainda ao governo que contractou o serviço de abastecimento dagua, e esqueceu de exigir tão necessário apparelho.

     De modo que hoje o dispêndio da agua está na vontade dos moradores e essa falta difficilmente será removida pois que a adopção desses apparelhos, virá aumentar despezas, que não serão, como é natural bem recebidas pelos proprietários. Nestas condições e para evitar uma sobre carga de despezas, preciso se torna o augmento de represas.

       Em fim o governo precisa encarar seriamente a palpitante questão, afim de evitar funestos dissabores, que indubitavelmente os terá se continuarmos bebendo a agua da serra nas condições péssimas em que se acha.

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       Na manhã fria de domingo embarcamos, na gare da rua Rio Branco, no expresso de Paranaguá, com passagem tomada para a Roça Nova.

      Eramos, ao todo, 5 pessoas: dr. Paes, engenheiro ajudante da directoria de obras e viação da secretaria de obras pulicas; coronel Annibal Guimarães Carneiro, representante da “Empresa de Melhoramentos do Paraná”; tenente Socrates Quadros; dr. Ulysses Vieira, redactor chefe e Rafael Gomes, redactor secretario do “Diario da Tarde”.

       O fim dessa excursão era uma visita à Serra, onde a “Empresa de Melhoramentos” possue as represas que fornecem agua a Coritiba.  Desejavamos conhecer, de visu a condições em que foram feitas as obras de captação, o estado em que as mesmas se encontram e o que é necessário realizar para que nossa capital nunca se ressinta da falta dagua, nem mesmo nas grandes estiagens como a ora reinante.

      Fomos, vimos e nos surprehendeu a máxima decepção visto como não encontramos, na serra, senão trabalhos mal feitos, trabalhos inúteis, um pandemonium de inépcia que si não acarretou consequencias incalculáveis para a nossa população devemol-o pura e simplemente à beneguidade extraordinária de nosso clima admirável.

       O nosso povo não sabe que liquido está ingerindo e ignora de que forma foram effectuadas as obras de captação na serra nem como os mananciaes se despejam para a nossa cidade alimentando a caixa do Alto de S. Francisco. Para narrar tudo isso, com isenção de animo, não trepidamos em afrontar a asperesa de uma madrugada e o rigor das ventanias da serra.

      Em Roça Nova após uma chicara fumegante de café, servido na residência do sr. Jacob Jacomel embarcamos em vehiculos que nos transportaram à casa do zelador da 1° represa, a do Carvalho onde se encontra a caixa de areia principal e donde parte, para esta capital, a linha adductora.

    A estrada que nos levou aquelle pittoresco sitio collea por um terreno extremamente accidentado. Zig-zagueando, pois, constantemente, ella ora passa na encosta dum outeiro, tendo um paredão de um lado e doutro esconso abysmo: ora desce a um valle cercado de morros e de mattas.  De leito bem acabado e bem tratado não oferece difficuldade ao transito dos mais delicados vehiculos.  Com uma extensão de 8 kilometros, e varias pontes, aterros, pontilhões e boeiros custou à Empresa cerca de 60 contos.

    As 9 horas da manhã apeávamos deante do chalet onde mora o sr. Cyriaco Moreira, que toma conta do serviço de conservação e de manobras das represas.  Aquelle edifício, construído em madeira foi transportado desta capital para ali depois de servir na exposição do cincoentenario. Acha-se assentado numa elevação, ao sopé dum morro, ligando-se à parte baixa por tosca mas elegante escadaria.

    Do chalet desdobra-se estupendo panorama serrano com valles e píncaros cobertos de viçosos mattagaes. Dali, após um descanço e lunche ligeiro começamos as nossas visitas.

      A dez passos da casa fica a represa do Carvalho, cuja denominação se deriva do facto de ficar próxima ao morro do mesmo nome em cuja encosta septentrional passa o viaducto Carvalho da Estrada de Ferro do Paraná.

      Na represa Carvalho constatamos a existência dum tanque formidável construído de alvenaria de pedras sobre terreno alagadiço e cujo custo orçou em 120 contos.****(Atualmente -R$-14.760.000,00).

      A muralha de frente, feita com a resistência própria para um açude é atravessada por dois canos: o adductor geral e o tubo de descarga da caixa de areia.

      Como notássemos que aquelle collosso de pedras – um tanque que se prestava perfeitamente para exercícios de natação e de regata, com profundidade de uns 10 metros por 60 de comprimento – só tinha diminuta quantidade dagua ao fundo inquerimos para que elle servia.

    A primitiva empresa, informou-nos o coronel Annibal nosso cincerone e guia na visita, pretendia empregal-o como reservatório sempre cheio para os casos de necessidade. Sucedeu porem, que, armado em terreno húmido a agua do subsolo começou a se filtrar através da camada de cimento que o revestia inteiramente indo-se misturar ao liquido destinado ao abastecimento da cidade.

    Verificado esse facto foi abandonada a primitiva ideia e reconhecida a absoluta inutilidade do monstrengo em que se consumiram 120 contos atoamente.

    A empresa de melhoramentos pensa em aproveitar parte do tanque quando montar os três filtros e clarificadores da agua para o uso de Coritiba. Por esse tanque passa todo o liquido que vem para esta capital e que, por um ladrão nelle se derrama com o transbordamento ininterrupto da caixa de areia.

     A agua atravessa e entre na bocca dos tubos adductores, de ferro, grosso, de 8 centimetros (aqui está errado) e pelos quaes vem para esta cidade por um percurso de 32 kilometros.

    Na bocca da linha adductora a empresa collocou uma peneira de arame que evita a passagem de folhas, gravetos e outros detrictos de volume, sendo que para pequenos cujo tamanho fique aquém de um grão de milho não há tropeço algum que lhes embarace a marcha.

     Ao lado do tanque grande está a caixa de areia, que pela esquerda, recebe as aguas da represa do Braço do Carvalho, Cayanbora, Mico, Urú e Cayguava e pela direita as do arroio Carvalho, que passa perto.

     A caixa de areia serve para em seu fundo ficarem retidas as impuresas pesadas, vidas pelos tubos “dos mananciaes”, taes como folhas, areias, etc., essa caixa que tem 3 metros de largura por 4 de comprimento e 8 de fundura é lavada semanalmente exgottando-se por meio dum cano independente e cujo registro defronte a muralha do tanque mor a que acima nos referimos.

    Para se encher, na nossa presença, a caixa de areia levou 42 minutos, sendo que em época de abastança dagua são gastos apenas 30 minutos.

      Contornando a caixa de areia e o grande tanque há um vallo artificial de pedra e cimento de 1 1/2m. de profundidade por 2 de altura e o qual serve para dar vasão, nas enchentes, às aguas do Carvalho que sem isso, fariam transbordar os recipientes supra alludidos com prejuízo do fornecimento regular da lympha para Coritiba.

       Pela caixa de areia passam em 24 horas, actualmente, 3.500.000 litros quando a cidade gasta....5.400.000.

     O calculo da quantidade de agua que os riachos captados podiam fornecer foi errado porque o avaliaram em 10 milhões de litros quando, numa estiagem como a presente, elles, com difficuldades produzam os 3.500.000.

     O sr. Marcos Leschaud, funccionário da secretaria de obras publicas, teve a coragem de no inicio das obras, afirmar que as aguas dos rios aproveitados não atingiriam a 4 milhões.

    O interesse ferido da antiga empresa rugio, movimentou-se e o funccionário citado quase teve como paga da sua previsão verdadeira um decreto de demissão inexorável.

     A poucos passos da caixa de areia está a primeira represa. Constituida de uma simples muralha onde se encontram dois tubos um de 7 pollegadas que se encaminha para aquella caixa e outro de descargas, a represa é completamente descoberta e o seu leito é o natural, forrado de folhas e outros detrictos naturaes.

      Para impedir a entrada destes no tubo captador foi posta uma tela de arame. O tanque da represa continha 18 mil litros de agua, podendo agora fornecer 800 mil litros em 24 horas.

     A represa Carvalho foi pessimamente construída e do que observamos concluímos que quem fez não teve em mira fazer nem obra perfeita, nem solida, nem digna do fim a que se destinava. Para armal-a assim não era mister ser engenheiro nem possuir cabedaes scientificos. Um pedreiro pode fazer serviço muito melhor.

      600 metros acima dessa represa se nos deparou a Braço do Carvalho, para a qual, por uma estrada, nos transportamos a carro.

     Essa nos pareceu muito superior a outras pelo lado da construcção. Houve mais capricho e certas exigências techinicas foram atendidas.  Assim foi feito um álveo de pedra solta com bordas do mesmo material.

      Quanto a muralha principal é idêntica a da primeira represa. Possue registros semelhantes aos que falamos atraz, contando o tubo captador 5 pollegadas. Essa represa fornece 500 mil litros de agua em 24 horas.

      Um pouco abaixo da represa do braço do Carvalho existem as do Urú, Mico e Caiambora que concorrem com cerca de 200.000 litros. Das aguas captadas na serra a melhor é a arroio “Mico” cujas qualidades de potabilidade não são excedidas pelas de nenhum dos ribeirões dos quaes procede o liquido que abastece Coritiba. Estivemos em todas essas represas que são idênticas às do “Carvalho”, isto é completamente defeituosas.

       A ultima a que nos conduzimos é distante da primeira cerca de 4 kilometros, a do Cayguava que pode fornecer, facilmente, um milhão de metros de aguas no espaço de tempo regulamentar.

       Essa represa que está cercada de morros e sob as vistas dum guarda da empresa de melhoramentos foi feita de tal forma que o liquido por ella actualmente enviado para nossa cidade offerece um constante perigo à saúde publica.

        As aguas do Cayguava são magnificas e superiores para beber mas sucedeu que a inépcia ou perversidade dos constructores da represa foi collocada, justamente, num charco, onde havia accumulado uma colossal quantidade de galhos, folhas, plantas fluviaes podres. A agua tem uma cor marron, similhante as aguas dos banhados e tem um sabor detestável.  Na represa do Cayguava existe uma pequena caixa de areia que pouco influe para a limpeza do liquido.

      Si as aguas do Cayaguava tivessem sido captadas 250 metros acima, dfificilmente, em limpidez, em puresa e em volume outras melhores na serra se deparariam à empreza. Mas os constructores, attendendo a não sabemos que espécie de conveniências ergueram-na num ponto condemnavel, tornando imprestável quasi as aguas do riacho Cayguava.

       A empresa de melhoramentos pensa desfazer o mal indo apanhar, por meio de tubos, a agua antes de penetrar no charco.

      1 kilometro para leste do chalet, na raiz quase da Serra Pelada, passa o rio do Salto, onde vimos outra represa cujas aguas são levadas por um tubo para a linha adductora encontrando-se com esta já no seu trajecto para Coritiba.

      A represa do Salto tem a sua caixa de areia e possue uma das melhores aguas da serra. Desde que o leito seja revestido de cantaria e seja feita uma coberta, pode fornecer agua explendida, sempre límpida e leve. A capacidade da represa do Salto é de 600 mil litros em 24 horas.

      A linha adductora geral tem capacidade para transportar 10 milhões em 24 horas. O numero de installações actualmente é de 2.599, sendo o gasto dagua, no contracto, calculado em 200 litros. A agua consome de 4 a 5 horas no trajecto da serra a esta capital. O precioso liquido distribue-se não só pelas installações particulares, como pelas repartições publicas, hotéis, estação ferroviária que usa 70 toneladas diarias, rêde de exgotto etc.

      Ao sr. coronel Annibal Guimarães Carneiro deixamos aqui os nossos agradecimentos pela fidalga cortesia que dispensou aos nossos companheiros de redacção que ali foram em visita no domingo ultimo.