O typho
Na ultima secção da sabia sociedade de Medicina, o ilustre scientista dr. Ferenez, protestou contra a falta affirmação feita de que a comissão de médicos que foi a serra, nada viu e, mais, declarou “não aceitar de maneira alguma o atestado de incompetência com que o obscuro graphador destas linhas quis mimosear a comissão, da qual fizeram parte proffissionaes de valor já demonstrado entre nos”. Realmente, jamais podia imaginar que me seria dada a honra de preocupar o alto espirito do douto cirurgião.
Ninguem mais do que eu admira o saber do eminente operador, cuja fama já ultrapassou as lindes do nosso acanhado meio. Ninguem mais do que eu, em toda parte, mesmo ante os que lhe não estimam, enaltece-lhe o valor, dá testemunho da sua notável competência. Ninguem mais do que eu desfez intrigas de um seu collega, que afirmou estar s.s. internado num hospício, na Europa, quando foi da sua ultima viagem ao exterior.
Seria, pois, eu, incapaz de atribuir-lhe incompetência em matéria de sciencia. Não posso, porem, deixar sem reparo as considerações zangadas que o preclaro dr. Ferenez fez na Sociedade de Medicina.
Não affirmei falsamente que a commissão nada vio e não quis mimoseal-o com o atestado de incompetência. Disse, e continuo a asseverar, que se a commissão teve, das captações de agua na serra, a magnifica impressão que o dr. Leal Ferreira externara ao “Commercio do Paraná, ou ella nada vio, ou não conhecia o que seja uma captação do precioso liquido para bebida de uma população.
Nessa forma logica de argumentar não se affirma. Formulam-se hypotheses. E, na verdade, não fiz injustiça ao estabelecel-as.
O dr. Leal Ferreira, em carta ao “Commercio”, restringio muito o enthusiasmo que resultava daquilo que se dizia ter elle declarado ao representante do “Commercio”, seu interlocutor. E o dr. Ferenez, limitou as suas impressões, que de certo foram as da commissão, ao facto da limpeza e de ser a agua captada de optima apparencia.
Ora, quanto à limpeza, eu admitti que existisse, sabendo do zelo e da actividade do digno director das obras publicas, dr. Moreira Garcez.
Desde que appareceu com aspecto epidêmico a terrível dothienteria,era natural que o operoso engenheiro tratasse com todo cuidado as fonte da serra. Quanto a optima apparencia da agua captada, porém, o ilustre dr. Ferenez há de permitir que o conteste.
Duas fontes visíveis, existe a do Cayguava, cuja agua é de mao aspecto, como alias o é tudo por onde ella passa. Existe ainda um manancial que vem directamente para o aductor geral, a feição de cujas aguas se não pode avaliar.
Demais, por quanto afirmasse o dr. Leal Ferreira que andou Cayguava acima, além da represa, o que provavelmente o dr. Ferenez também affirmará, hão de permitir que eu as conteste, pois, se o tivessem feito, veriam o que eu vi. E, si até lá tivessem ido, não podiam deixar de receber má impressão.
Affirmei também que quando lá estive vi uma bocca de túnel da qual se serviam como de latrina. Nem o dr. Ferenez, nem o dr. Leal Ferreira, contestaram essa affirmativa, naturalmente porque passou-lhe esse facto despercebido.
É natural que o tivessem notado, dissessem se esse logar, próximo ao reservatório de Carvalho, estava ou não hygienisado. Affirmei que junto à repreza do Cayguava existia uma moradia onde achavam-se mulheres e crianças, havendo no logar patentes amostras de defecções, nas circunvizinhanças. Ninguem me contestou.
Portanto, si foi tão boa a impressão que teve a comissão, segundo externara o dr. Leal Ferreira, ao ponto de os jornaes, confiantes nos conceitos do ilustre clinico, dizerem que não havia perigo em beber agua da serra, eu que vi os reservatórios juntamente com um homem de notável preparo scientifico, membro de uma das mais importantes repartições technicas da Republica, não podia senão concluir que, ou a comissão nada vio ou não conhece o que é uma captação de agua potável.
Depois, não achei muito propósito no dizer o dr. Ferenez que o governo encanpando a pouco tempo o serviço de aguas, mais não poderia ter feito. Ninguem accusou, nem de boa fé poderá accusar o governo pelos defeitos do serviço de aguas ou pela invasão do morbus.
Não foi o actual governo quem fez as captações e a rede do serviço de abastecimento hydrico e de esgottos. Que culpa lhe cabe si desse mao serviço advem consequencias funestas ao povo?
A não ser que se constate haver mal na captação, sem prévio exame, do ribeirão Paulista, nada há a imputar à administração do Estado. Justamente por isso não percebo porque o dr. Garcez procura convencer de que o perigo não está na agua, já demonstrando que há duas mil e tantas casa sem esse serviço, já indicando outros campos de pesquisas como sendo mais suspeitos, como si affectasse a capacidade de sua gestão o facto de se encontrar na agua o vhiculo do mal.
Esquece-se entretanto, o illustre engenheiro, de que quasi todos os casos conhecidos tem se dado em casas que possuem canalização de agua e esgotto, e que os mestres no assumpto, recommendam que se olhe antes de tudo para a agua, de beber, que é o mais leal aliado do bacilo de Eberth.
Como não se trata de indagar se o serviço de aguas é bem ou mal feito entre nós, e sim de saber si a agua da serra é responsável pela epidemia, não percebe bem porque o dr. Ferenez, dizendo conhecer as captações de Nova York e Vienna, compara-nos com esses grandes centros, dizendo que não podemos pretender ter obras eguaes àquellas.
Essa comparação faz suppor que para as cidades que tem grandes recursos, as aguas mal captadas fazem mal; para as que, como a nossa, são pobres, os germens ficam benignos, porque não podemos pretender antepor-lhes os recursos da defesa que antepõem a capital austriaca ou a americana.
Mas o que o dr. Ferenez de certo não sabe e, que com a importância que temos gasto, poderíamos ter um serviço de agua e esgotos proporcionalmente egual ao de Vienna ou Nova York.
Assim hei demonstrando que não eventivei a commissão medica, nem lhe attribui incompetência. Apreciei suas impressões pela externação, talvez prematura, do dr. Leal Ferreira.
E se me permitissem os ilustres três médicos mais uma intrugice, peguntaria: “Já observaram que, sobre reduzidas excepçoes a epidemia se tem manisfestado na margem direita do rio Ivo, em quase toda sua extensão?”
Dr. I VEGLER.