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Jornal Diário da Tarde

Transcrição da Edição de 09/10/1917 - Pg. 1

                           O TYPHO

            Uma entrevista interessante – Opinião do dr. P. A Haegles

    Viajando de Paranaguá para esta capital, deparou-se-me no vagon o dr. Haegler, que escrevera dois artigos a proposito da maligna moléstia que atacou grande parte da população patrícia. Naturalmente a conversa cahio no assumpto forçado de todas as palestras e de todos os receios neste momento.

      Tendo achado interessante a logica do dr. Haegler quando tratou deste proposito, quiz ouvil-o sobre o que pela pena ou pela voz do dr. Leal Ferreira, soube-se sobre as fontes do abastecimento publico.

      - E que me diz, doutor, da impressão agradável que teve a commissão medica que visitou os mananciaes da serra?

      - Escrevi, como terá visto, que bem pouco provável é que a inspecção tenha por origem os reservatórios da serra, note bem, “os reservatórios”, não fallo da agua servida aos domicílios. Entretanto, a boa impressão que teve a commissão revela que os médicos que lá estiveram ou não viram bem ou não conhecem o que é uma captação de agua para uso de uma população.

       - Como?

     - Muito simplesmente. As aguas da serra são captadas nas peores condições possíveis. Já estive cinco vezes e conheço bem todas as represas, tendo até percorrido tuneis perigosos, na primeira occasião em lá fui.

      Calcule o senhor que as aguas são captadas e desde logo jorradas na caixa principal, sem nenhum tratamento prévio, que as desembarace das matérias orgânicas em suspensão e mesmo das matérias solidas que arrastam.

       As que entram no reservatório do Carvalho, cahem primeiro numa caixa cheia de areias, que chamam de philtro. Mas, nesse pseudo philtro, a areia é revolvida pela força da agua, de maneira que em vez de passar philtrada, ella passa carregada com a lavagem de areia e assim entra logo no aductores.

        Como sabe, a não ser em tempo de chuvas, há sempre falta de agua para suprir a população, de modo que o liquido não para, não decanta e d’ahi o tiramos nas torneiras uma agua amarella, muitas vezes com corpos extranhos.

        Um dispositivo essencial, o clarificador, um philtro, mas philtro de verdade, faltam para que as nossas captações ofereçam boa impressão ao visitante e tranquillidade ao publico.       

       Depois, os médicos não viram o Cayguava rio acima, além da represa. Si o vissem, topariam a agua parada, estagnada, antes de entrar na represa, que por sua vez não é impermeável e esta muito abaixo dos terrenos lateraes onde existe a morada de um zelador ou coisa que o valha.

     Posso garantir que a commissão nem se orientou bem sobre as posições da represa. Não é fácil fazel-o, máximo num dia chuvoso. A serra desorienta. Eu só depois da terceira vez pude orientar-me sobre a posição dos mananciaes e sobre os rumos dos aductores.

       Veja o amigo, além disso, o perigo que há nas vertentes que não vão ter ao reservatório e que servem diretamente à caixa de S. Francisco.

        - Realmente, as coisas não são tão bellas como pareciam.

      - Quer saber uma coisa? Sempre que fui a serra bebi de preferencia a agua crystallina, gelada, que surge debaixo de uma colossal pedra inclinada que chamam a gruta.

         - E quanto a limpeza?

         - É provável que desde que começou a apparecer a epidemia, o zeloso director das obras publicas haja determinado medidas conducentes a assegurar o maior asseio possível aos reservatórios. Anteriormente, porém, ao menos até à ultima vez quando ali estive, as coisas não se passavam assim.

        Existe próximo ao reservatório do Carvalho uma bocca de túnel abandonado que, quando lá estive na última vez, era uma verdadeira latrina suja, de tanta immundicie que lá existia.

           Perto do Cayguava, que é em peiores condições do que o do Carvalho, havia uma pequena casa onde vi mulheres e crianças. Ali perto, é fácil de comprehender, viam-se numerosos signaes de que as redondezas serviam par as dejecções.

       Como já disse, as margens dessa repreza são muito mais altas do que ella. Dess’arte, fácil é de comprehender que as chuvas infiltrarão esses detritos na repreza.

      - Mas dão bons argumentos para mostrar que a infecção não pode provir dos reservatórios da serra.

      - Estou de acordo. Acho mesmo convincente o que nota a falta de generalidade da epidemia. Mas dahi a se dizer à população que a agua da serra, pela boa impressão que produzio à commissão, com uma simples inspecção está livre de suspeita, é facilitar demais.

      Esperemos primeiro o resultado do exame microscópico e pensemos ainda que si a infecção não provem das fontes pode provir da contaminação dos encanamentos.

       E como não se sabe onde ella está, deve a população continuar a acautelar-se contra a agua da serra. Não devemos esquecer o que diz Charpantier, chefe do Laboratório do Instituto Pasteur de Paris: “prestar toda a tatenção à agua de beber, tantas vezes vehiculo dos germens typhicos, deve ser o primeiro cuidado do hygienista”.; tão pouco devemos desprezar a lição de Bouardel: “Cada um deve fazer sua defesa pessoal, não bebendo senão agua fervida em tempo de epidemia, utilizando para os usos diários, agua filtrada através de filtros cuidadosamente tratados.

      - Mas deve-se então na sua opinião cogitar só da defesa contra a agua?

     - Exclusivamente, não. Mas como a agua é acusada por todos os experimentadores como o primeiro e principal vehiculo dos germens, contra esse perigo conhecido deve ser a nossa primeira defeza.

     Mesmo que tivéssemos captações, reservatórios, redes de encanamentos e esgottos ideaes, a agua, no caso de epidemia, deveria ser tida como a primeira ameaça à nossa saúde. Quanto mais quando tudo nosso nesse particular é mal feito e temos até um reservatório, o alto de S. Francisco, que, parece, há muito não se lava porque uma das caixas não pode ser utilizada!

     Entretanto, não devemos cruzar os braços esperando que de S. Paulo nos digam si a agua tem ou não o bacillo de Eberth.

     A Sociedade de Medicina deveria constituir uma commissão permanente de pesquiza.

    A Universidade tem laboratórios modelares e parece que temos bacteriologistas e hygienistas habilitados. Não há, pois, motivos para estarmos à espera do que nos vae dizer S. Paulo. Acho mesmo que para nossos créditos universitários e para os créditos do nosso meio medico, na própria agua se deveriam fazer pesquisas aqui.

     Depois, há coisas que se occultam não sei para que. Há cerca de três mezes irrompeu no Rio do Meio uma terrível moléstia que disseram ser typho. Qual a origem dessa epidemia, na serra? Como foi jugulada?

     Ninguem sabe porque a imprensa não noticiou e a repartição de hygiene, segundo ouvi dizer, affirma que só houve um caso, quando todos sabem que só numa família deram-se três óbitos.

      Ora apparecendo nesta capital a epidemia semelhante não era logico procurar-se os pontos de contato entre uma e outra e se ambas tem por origem a mesma causa?

       - Mas houve essa epidemia no Rio do Meio?

       - Sem duvida. Posso lhe assegurar e provar, sem medo de contestação. Mas além da agua dever-se-iam voltar as actividades da hygiene municipal para a limpeza publica. O senhor sabe que o lixo é depositado no meio de centros habilitados e ahi fica exposto a seccar ao sol, evola-se com o vento e infiltra-se com as chuvas.

      Dizem que na chamada vila militar, naquela immundície que existe próximo ao quartel da polícia há três cloacas para o serviço dos numerosos moradores que se utilizam da agua de poço.

      Atraz da chácara Cerjat existe um enorme fosso cheio de agua pútrida que impesta a atmosphera, intolerável aos transeuntes e moradores vizinhos.

     A incapacidade dos philtros bacterianos retendo sem o tratamento pretendido matérias fecaes e infeccionando o pequeno volume de aguas do Rio Belem, deveria ser objeto de especial cuidado.

     - Mas asseguram que d’ali não vem o perigo.

      - Não viria si os tanques tivessem a necessária capacidade, a sufficiente quantida de agua e o rio Belem fosse mais volumoso e tivesse margens mais altas.

      Calcule o senhor que segundo Frankland uma agglomeração de 100.000 habitantes acumula em um anno 3.316 toneladas de material fecal e 42.829 toneladas de urina, o que daria para a nossa urbana, que se utilisa de esgotos, calculada em 20.000 habitantes, 663 toneladas de fezes e 8.565 toneladas de urinas. Ora, uma simples inspecção basta para convencer que aquillo que ali está à margem do Belem não dá para o tratamento da metade do material que recebe.

     Portanto grande quantidade ficará carregada dos seus elementos patogênico e assim ficará exposta e irá infeccionar o rio Belem, quando o systema adoptado seria para transformar todas as matérias immundas dos tanques em agua chrystalina.

    Para se dissolverem 280 kilos de matérias orgânicas em 24 horas são necessários 50 metros cúbicos de capacidade de um tanque, de sorte que produzindo nossa população 1 tonelada e meia diária de material fecal em 1500k, haveria necessidade de ter o tanque uma capacidade de 2500 metros cúbicos, o que de certo não tem...

     Tinhamos chegado à estação.

      - Muito interessantes, doutor, as suas observações.

      - São intrujices de leigo...

      - Não. São reflexões dignas de se divulgarem num meio em que os especialistas nada escrevem com a responsabilidade dos seus nomes.  E se eu divulgasse essas suas considerações?

     - Poderá fazel-o si julgal-as uteis. Certos ou errados os meus conceitos não duvido em fazel-os públicos para terem a confirmação dos competentes, como succedeu com os meus artigos ou delles a correção.

         Eis porque reproduzo aqui a nossa palestra.

                                                                                                                                                                                HIRAN MILLS.