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Relatório da Secretaria de Obras Públicas e Colonização

Transcrição do Relatório da Secretaria de Obras Públicas e Colonização publicado em 31 de Dezembro de 1904 – Pgs 11 a 17.

 

       Uma das necessidades mais urgentes da cidade de Curytiba, aquella que mais de perto interessa aos seus habitantes, - porque se relaciona directamente com a vida destes, - é sem duvida o serviço de abastecimento d’agua portável à sua população e consequente evacuação das aguas carregadas de matérias nocivas à saúde.

      Cidade que se vae desenvolvendo dia à dia, e cuja população augmenta consideravelmente, determinando a densidade crescente de suas edificações, Curytiba não pode adiar por mais tempo a realização desse melhoramento, indispensável a toda população urbana de certa importância.

     Com effeito, é facto conhecido que, com o augmento das populações e consequente densidade das edificações, as causas de insalubridade se multiplicam, reclamando esse facto, dos poderes públicos, medidas que, aconselhadas pela hygiene, colloquem os habiltantes das cidades ao abrigo das epidemias.

       A necessidade desse melhoramento, pois, cada vez se torna mais imperiosa e, com excepção de poucos individuos, refractarios a todo o progresso, em virtude de hábitos inveterados e de interesses egoísticos contrariados, a maior parte da população, - todos aquelles que se interessam pelo progresso local, - o reclama com todo o empenho, secundada pela imprensa que, por varias vezes, se tem ocupado do magno problema, fazendo sentir a urgência da sua solução.

            É que todos comprehendem a importância desse serviço no ponto de vista da conservação da vida.

            “A vida não tem preço”, diz o hygienista inglez M. Baldwin Lathan; e M. Bechmann, chefe do serviço technico do saneamento de Paris, accrescenta: “e jamais será grande o sacrifício feito para defendel-a ou para garantil-a contra as mil causas de destruição que a ameaçam. Para o pobre a saúde é um capital precioso, - toda a sua fortuna, - e nunca serão demais as precauções que elle possa tomar no sentido de conserval-a intacta. E, como todos os habitantes das cidades são necessariamente solidários, expostos aos mesmos perigos, nenhum há que possa desinteressar-se das condições geraes da salubridade, quaisquer que sejam as vantagens especiaes que a sua situação particular lhe possa proporcionar.

     Todos tem interesse em concorrer para o melhoramento da saude publica, para a diminuição da mortalidade geral. E, si ha um dever que ser imponha antes de tudo às autoridades encarregadas da direcção dos negócios municipaes, é o de velar constantemente pela observação das leis da hygiene, o de fazer respeitar por toda a parte e sempre as regras de salubridade, o de assegurar e aperfeiçoar incessantemente esse grande serviço publico.”

       E mais adiante:

      “Não se pode conceber uma cidade moderna de certa importância sem uma systema de distribuição levando a todos os pontos a agua necessaria a todos os usos, à alimentação, às lavagens e ao saneamento, - ou sem uma rêde de exgottos destinada a tornar commoda, fácil e rápida a evacuação das aguas carregadas de matérias organicas.”

       Curytiba, pois, por sua importância tem absoluta necessidade e está já nas condições de ser dotada de um regular serviço de aguas e exgottos. Para dar uma idéa da importância desse serviço, basta passar para estas paginas o que a respeito do papel da agua como elemento de vida escreve magistralmente o autor citado:

         “É multiplo o papel da agua como elemento de salubridade. A acção assás directa della sobre a economia do corpo humano dá-lhe uma importância toda especial: vehiculo necessário dos alimentos, ella os conduz ao interior do organismo, percorrendo-lhe as partes mais delicadas, e depois arrasta as matérias solúveis que não poderam ser assimiladas, ou que foram regeitadas pelos diversos orgãos.”

       Concebe-se facilmente desse modo a necessidade de escolher, para a alimentação, uma agua tão pura quanto possível; a pureza da agua é ainda mais indispensável tal que a pureza do ar. Esta idéa é mesmo instinctiva, por assim dizer, e em todos os tempos, entre todos os povos, ella tem sido admittida como uma dessas verdades que se impõe e não podem gerar controvérsia.

     Os trabalhos da sciencia moderna vieram aliás confirmar de modo brilhante a importancia da agua potavel no ponto de vista da saúde publica; entre as questões sanitarias, a que merece em mais alto grau a atenção dos hygienistas é sem duvida a da alimentação das cidades com agua de bôa qualidade.

     “A boa qualidade das aguas”, dizia de Jusseiu, na Academia de Sciencias, em 1733, “sendo uma das cousas que mais contribuem para a saúde dos habitantes de uma cidade, não há nada de mais interesse para os magistrados do que manterem a salubridade das que servem para beber.”

     Depois, além da alimentação, é preciso pensar no saneamento e, de todos os agentes que podem ser utilizados para esse fim, nenhum mais indispensável há que a própria agua. A chuva tem por effeito a purificação da atmosphera, pois toma ao ar uma parte das impurezas que nelle se accumulam; depois, correndo sobre o solo, sobre os telhados, etc., ella arrasta a poeira, os detritos que ahi se depositam. E, como a chuva não bastaria ordinariamente a desembaraçar as cidades de todas as impurezas, de todos os resíduos que não são nem arrastados pelo movimento do ar, nem levados com a lama e outras matérias solidas, é preciso imitar-lhe artificialmente os efeitos por meio de irrigações, de lavagens periódicas, e para esse fim procurar agua em abundancia.

    A estas necessidades primordiaes – alimentação propriamente dita e saneamento – vêm juntar-se ainda uma multidão de outras necessidades, que só a agua pode satisfazer, e que são condições necessárias da vida humana e da salubridade geral: usos domésticos, cozimento dos legumes, lavagens de toda a natureza, banhos, etc., etc.

   Depois de servida, depois de carregada de matérias orgânicas, não somente a agua não pode ser mais utilizada, mas pelo contrario a sua presença torna-se nociva: si permanecer então estagnada, as matérias que contém em dissolução ou em suspensão não demorarão em soffrer a fermentação pútrida, desprendendo exhalações  desagradáveis e mórbidas; a agua tornar-se-á dentro em pouco uma grave causa de insalubridade. Desde então é preciso tratar antes de tudo de afastal-a o mais rapidamente possível, facilitando o seu escoamento, quer na superfície do solo, quer por meio de conductos subterrâneos; é preciso livrar dellas as habitações, as ruas, e leval-a em tempo curto a uma distancia tal que à decomposição das matérias orgânicas não mais possa ter influencia perniciosa na agglomeração urbana.

   Mas isto não basta e é de receiar que essas aguas contaminadas, continuarão a correr segundo a inclinação natural do solo, vão envenenar alguma localidade visinha, situada um pouco abaixo, antes que os agentes naturaes tenham conseguido desembaraçal-as  das matérias orgânicas que ellas contêm, dando ao liquido completa innocuidade. Nesse caso póde tornar-se necessário depurar as aguas por meios artificiaes.

  Este simples golpe de vista sobre as diversas funções da agua nas aglomerações urbanas, deixa imediatamente entrever a importância deste elemento de salubridade.

   E comprehende-se perfeitamente o considerável interesse que se deve ligar a tudo quanto concerne, por um lado, ao transporte e distribuição das aguas uteis e, por outro, à evacuação e depuração das aguas nocivas”.

   Convencido, pois, da urgente necessidade desse serviço, o governo, em virtude da lei n. 506 de 2 de abril de 1903, contractou a construcção das rêdes de exgottos e de abastecimento d’agua com os illustres engenheiros civis, Alvaro de Menezes e Octaviano Augusto Machado de Oliveira.

    O valor do contracto é de 6 mil contos de réis, que estão sendo pagos em apólices emitidas por dec. de 29 de abril deste anno, ao typo de 87% e juros de 7% ao anno.

   Segundo o que ficou estipulado, Curytiba será abastecida com um volume liquido de 10 milhões de litros d’agua em 24 horas, o que corresponde a um suprimento diário de 200 litros por habitante, calculada a população em 50 mil almas. Esse algarismo, como se vê, obtem-se dividindo o numero total de litros d’agua pelo numero de habitantes a supprir.

   A cifra de 50 mil habitantes, porém, é exagerada para o quadro urbano, de modo que, tomando-se a verdadeira, 25 a 30 mil mais ou menos, o numero de litros por habitante attingirá a certa de 400. Este quociente é o bastante para garantir um abundante fornecimento d’agua à população.

  É o que demonstram dados estatísticos que aqui transcrevo: “Darci, em 1885, avalia em 150 litros por habitante o total das necessidades de uma cidade. Em livros mais recentes encontram-se algarismos pouco differentes.

   Humber, em 1876, dava como limites inferiores e superiores do consumo total das cidades inglesas 70 litros (Norwich) e 240 litros (Glasgow); Konig e Poppe, 1878, indicavam precisamente ainda o consumo de 150 litros como uma excellente media para as cidades da Allemanha.  Fruhling, em 1893, pedia apenas 55 a 135 para a Allemanha e Fanning, em 1882, para os Estados Unidos, onde o uso d’agua nas casas é mais geral, 140 a 250 litros.

  Achou-se, em 1892, que o consumo médio nas 449 cidades francezas de mais de 5.000 habitantes e dotadas do serviço de distribuição de agua, eleva-se a 111 litros somente.

  Segundo um levantamento estatistico organizado em 1891, as grandes cidades da Allemanha não consumiam, na media, mais que 98 litros e, sem o concurso de Hamburgo, 82 litros somente; em Berlim, em 1895, o consumo foi de 68 litros. Londres despendia 140 litros por habitante, em 1892, e perante a comissão das aguas o professor Robinson avaliava as necessidades nessa mesma cifra, ao passo que Hawksley as reduzia a 105 litros”.

    Quanto a qualidade, a agua com que vai ser suprida Curytiba é a melhor que aqui se pode obter.

   Derivada da Serra do Mar e de seus contrafortes, onde corre em terrenos não habitados, aqui deslisando suavemente, ali precipitando-se em bellissimas cascatas, essa agua apresenta logo ao mais rápido exame os caracteres physicos que que se encontram nas melhores aguas destinadas à alimentação. Límpida, fresca, sem sabor nem odor, a agua da Serra do Mar é agradabilíssima, na opinião de todos quantos a tem bebido.

    O estudo das circumstancias da localidade onde ella vai ser captada contribue para tornar mais segura a conclusão do exame fundado nos seus caracteres physicos. Terrenos montanhosos e não habitados, coberto em parte de vegetação selvagem e em parte nus, não tendo brejos nas proximidades, os logares onde vai ser feita a captação satisfazem perfeitamente as exigências da sciencia sanitária.

    É, pois, com razão que o instincto da população volta-se para a agua da Serra, cujo exame chimico, corroborando as conclusões do exame feito pelos seus caracteres apparentes, demonstra que ella “tem todas as condições de potabilidade, sendo a proporção de matéria organica inferior ao máximo permitido, conforme decisão do Congresso de Bruxellas” (1).

  • Analyse feita no Laboratorio de Chimica da Escola Polytechnica do Estado de São Paulo. Em outro logar deste Relatorio vem inserto o resultado dessa analyse.

   Assignado o contracto a que acima me referi, dentro do prazo de 60 dias nelle estabelecido deram os contractantes começo aos respectivos trabalhos de construcção, trabalhos esses que prosseguem com a necessária regularidade, estando já as obras bastante adiantadas.

   Na conformidade do contracto e para fiel execução das obras, por dec.n. 193 de 10 de maio deste anno, creou o governo uma commissão de fiscalização, nomeando por dec. n. 194, da mesma data, para engenheiro chefe e para engenheiro ajudante dessa comissão, os engenheiros civis, srs. Jorge Eisembach e joão Pernetta.

   Em cumprimento do disposto no referido dec. n. 193, esta Secretaria expediu, em 28 de julho do mesmo anno, as necessárias instrucções para o serviço dessa fiscalização

   Eis os dados que a respeito do estado actual e do adiantamento das obras, forneceu-me em relatorio o engenheiro-chefe da commissão de fiscalização:

   AGUAS-

  Na secção de abastecimento d’agua foram atacados até aqui os serviços preliminares do reservatorio no Alto de S. Francisco, bem como a respectiva construcção e também os serviços preliminares para captação das aguas na Serra. No reservatorio do Alto de S. Francisco ficou terminado o serviço de excavação, tendo sido excavados 12.000m³ de terra, e estando agora em construcção o referido reservatorio. Os muros lateraes dessa importante obra medem já 1.700m³ de alvenaria de pedra e os trabalhos, que se acham sob a competente direcção do engenheiro Edward Simons, prosseguem com toda a regularidade.

   Na Serra, já estão feitos três kilometros de estradas, como serviço preliminar para a construcção dos tanques de captação. O quadro n.5 dá a relação do material existente, nesta data, nos depósitos da Empreza. Utilizando a auctorização contida no art. 3°, letras B e C, da lei n.506 de 2 de abril de 1903, e já estando adiantadas as obras de construcção das rêdes de exgottos e de abastecimento d’agua, o governo expediu o decreto n. 422 de 26 deste mez, mandando cobrar 25% do imposto da taxa sanitária, segundo a tabella que acompanha o mesmo dec.

   Este imposto destina-se ao serviço de juros e amortização do empréstimo de 6 mil contos, lançado em virtude da referida lei n. 506.

   EXGOTTOS

   Desde o inicio dos serviços, foram simultaneamente atacados os trabalhos preliminares de terraplanagem para a instalação bacteriana, bem como a respectiva construcção e a colocação das linhas de manilhas, tanto para o collector geral, como para os collectores secundários.

   Quanto à installação bacteriana, já foi feita a excavação e remoção de 24822m³ de terra, achando-se por essa forma quasi terminado esse serviço preliminar. A construcção já foi também in iniciada, achando-se construídos 324m³ de alvenaria de pedra dos muros lateraes dos filtros e da respectiva fossa.

     Quanto a rêde de canalização dos exgottos, acha-se já quase concluído o collector geral, que se devide, no que diz respeito aos diamentros dos tubos, em três partes.

     A primeira, construída de alvenaria de tijollo e cimento, extende-se da estaca 0, ponto de entrada para a fossa bacteriana, até a estaca 38. Esta primeira parte, que tem uma extensão de 760m, acha-se já construída, excepto no ponto em que vai atravessar a linha da Estrada de Ferro. Da estaca 38 começam os tubos de gres de 18’ extendendo-se até o cruzamento da rua da Liberdade com a Misericordia.

      Dahi em diante o collector geral tem o diamentro de 14’ na sua terminação. De accordo com a modificação do collector geral, proposta pelos contractantes e acceita por esta Secretaria, mediante determinadas condições, esse collector deveria seguir com o diamentro de 18’ uniformemente, da estaca 28 em diante.

      Em occasião opportuna a comissão de fiscalização reclamou contra o facto da mudança de diamentro, de 18’ para 15’, tendo os contractantes por esse facto assignado, nesta Secretaria, um termo de compromisso, que garante por completo as exigências do serviço. Quanto aos collectores secundários, prosseguem os trabalhos nas ruas Sete de Setembro, Visconde de Guarapuava, Misericordia, Pedro Ivo e nas ruas perpendiculares a estas, achando-se extendidos 717m de linhas de 12’, 677m de linhas de 9’ e 1409m de linhas de 6’.

      Nos cruzamentos das ruas já foram construídos 11 ventiladores. Em resumo, vê-se, por este rápido esboço descriptivo, que as obras realisadas até agora para dotar Curytiba com um serviço de aguas e exgottos, nada deixam a desejar, no ponto de vista technico, especialmente as do reservatório do Alto de S. Francisco e as da installação bacteriana.