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Detalhe do Acervo: Diário do Paraná - Edição de 05/11/1967 - Caderno 2 - Pg 8

Autor: José Carraro
Titulo: Diário do Paraná - Edição de 05/11/1967 - Caderno 2 - Pg 8
Data da foto: 04/11/1967
Categoria: SADIA - Queda de Avião
Sub-Categoria: N/A

Transcrição da Página 8 do Segundo Caderno - Edição de 05 de Novembro de 1967.

 

FOI UMA LONGA CAMINHADA PELO MATAGAL

 

MORRO DA REPRESA (Dos Enviados Especiais, Divonei M. de Campos, Juarez de Agostinho e Osny Albanus) – À exceção da tragédia que a todos deixou consternados, a campanha de busca e salvamento despertou certa expectativa pelo imprevisível. Às 19h05m de sexta-feira, o comandante do Corpo de Operações Especiais, major Hélio Meirelles, divide seu pelotão de 23 homens, entre praças e oficiais, em dois grupos, um comandado pelo tem. Oiti de Oliveira, face as informações divergentes do local onde caiu o “Dart Herald”.

Estamos todos na base da Serra do Mar, na região dos mananciais, e à frente o morro da Represa, imponente e alto, coberto por densa vegetação. A movimentação é grande e o primeiro grupo parte, levando consigo o mateiro Paulo Lachmon, devendo contornar o morro pela esquerda, enquanto o outro grupo segue pela direita, sob o comando do major, contando com o mateiro Ivo Shwing, jovem de 22 anos que conhece toda a região.

 

Pela Frente

Ivo é um rapaz de estatura franzina, alto, loiro e falar macio. Olha para o alto, onde as nuvens encobrem o pico do morro e helicóptero e aviões tentam localizar o aparelho sinistrado, e diz com sua simplicidade natural. “Dois mil e trezentos pra chegar até o ultimo alto e mais 200 metros pra atingir o pico. Isto fazemos em 2 horas ou 2 horas e meia”.  Começa a escurecer e lembro ao fotógrafo e ao cinegrafista que “a coisa já está ficando complicada”, enquanto os primeiros pingos de chuva, brindam o grupo que em fila indiana inicia a subida.

O rapaz mateiro vai caminhando como se estivesse passeando na rua 15, às 17hora, em tarde de sol, e nós entre trancos e barrancos vamos nos arrastando. Até aí não há problema e pula-se de um lado para o outro e os soldados com suas pesadas mochilas seguem galhardamente. De repente o ar parece que fica mais difícil de se respirar e os poros começam a transpirar. Iniciamos a operação “tirar camisa”, muito embora chova. Na frente o Osny carrega sua incômoda máquina de filmar e atrás o Juarez, com sua não mesmo incômoda máquina de fotografar. Logo nos primeiros 10 minutos, perde nosso pacote de pão. Acabávamos de ficar desprovidos da “cozinha” e nossas figuras mais lembravam “guerrilheiros”, pela mistura de traje militar com o civil.

 

Sem Fim

O caminho é íngreme, cheio de pedras e buracos imprevisíveis. A chuva aumenta e a noite chega. São 20h30m e os coturnos começam a ficar pesados, as pernas não obedecem. Um tropeção daqui outro dali, a mão em um espinho, pisa-se em um buraco, e já começava a dar vontade de voltar. Mas o objetivo é sério e o pensamento se concentra em atingi-lo. Um major médico da Aeronáutica, é mal sucedido em um lance, torce o pé e fica para trás. O grupo da frente começa a se distanciar e já se forma o “time” da retaguarda. O primeiro homem é o mateiro, seguido do major Meirelles que leva na mão uma lanterna e quando conseguimos ultrapassar um obstáculo, pensando que a coisa vai melhorar, vem algo pior. Parece que o caminho não tem mais fim.

Ivo o mateiro, segue como um gato. Por incrível que pareça não leva lanterna na frente e não erra o caminho, naquela escuridão, onde não se enxerga um palmo além do nariz, na expressão de um dos soldados. Fazemos uma segunda parada, e as horas passam rápidas, mas parece que não saímos do lugar. E após uma série de outras paradas rápidas, continuamos impulsionados porque na frente vai uma pessoa e, logo atrás, vem outra. Um a um vamos passando por grandes buracos, entre pedras escorregadias e algumas vezes como numa verdadeira escalada.

 

A Madrugada

Após 3h30m, chegamos à última elevação, restando apenas o pico para vencer, onde presume-se que esteja o aparelho “Dart Herald”. O cansaço é geral. Todos estão vencidos pela fadiga. Os empecilhos que vencemos de gatinhas, palmilhando pedras e troncos. A água começa a acabar e as terríveis revelações começam a ser feitas. Não existe comida e, o que é muito sério face a umidade da roupa e a chuva constante, ninguém tem cachaça. Um colega da imprensa de São Paulo, que também participa da operação se dirige ao comandante do pelotão e diz admirado: “Major! Reverencio-me diante de seus soldados que são uma parada para este tipo de trabalho, mas estou decepcionado com a corporação”. O major, muito comedido interroga, mais admirado que o interlocutor: “O que é que há?” E recebe como resposta, para gargalhada de todos: “Seus soldados não tem cachaça”.

Vencidos os 1300 metros, estamos no sopé do cume e face a chuva, nos dirigimos para outro local, sob uma parede de pedra. Lá se improvisa uma coberta com os panos das barracas. Todos se amontoam, onde não dá nem para respirar e logo a chuva começa atingir todos e estamos por volta da meia-noite, sem comida, todos molhados até os ossos, e numa “luta” ferrenha, por um cantinho seco da barraca improvisada.

Ninguém dorme, com exceção de um soldado que inclusive chega a roncar. O corpo dói e as lamentações tem prosseguimento. O tenente Sindeval, com seus 95 quilos, distribuídos em uma proeminente barriga e seus 45 anos de idade é uma surpresa da jornada, pois participa voluntariamente e no “time” de retaguarda é o mais entusiasmado. De seu bom humor, conseguimos esquecer os nervos exacerbados.

 

Silêncio e Grito

Por determinação do comandante, um cabo e o mateiro seguem para inspecionar a região provável do acidente aéreo e pela madrugada, quando só o vento assobia por entre a vegetação fechada e compacta e a chuva se faz presente, ouvimos um grito. Todos ficam comovidos e um arrepio sobre todo o corpo. Logo mais, conforme a posição do vento, ouvimos outros gritos e inclusive um pedido de socorro que corta a noite. A noite já está prestes a terminar. As lanternas estão falhando por falta de carga. Naquela hora a marcha é impraticável. Decidimos pelo retorno nas primeiras horas do dia seguinte. Os dois observadores regressam e trazem a novidade. Contam que atingiram o acampamento do outro pelotão e ouviram batidas de lata, gemidos e gritos. A emoção domina a todos e uma espécie de alivio parece surgir com a evidência de que existem sobreviventes.

Logo começa a clarear e o acampamento é levantado. A chuva continua. A fome aperta e daí não só o colega jornalista de São Paulo, mas todos lembram de uma boa pinga para “rebater” o frio. Estamos todos molhados, sem dormir e reiniciamos a marcha que pela sua dificuldade exige as últimas reservas de energia, mas reanima pelo esquentamento que produz o corpo.

Para atingir o cume, todas as dificuldades já enfrentadas parecem se somar. O pico nos parece um paredão só, encoberto por uma vegetação rasteira. São, segundo os cálculos do mateiro, mais 200 metros, que parecem infinitos, mas na mesma batida vamos galgando, passo a passo, levados por uma motivação que tomou conta de todos e quando sem andar, mesmo arrastados, vamos subindo. É a expectativa de encontrar alguém vivo, alguém a quem se possa prestar alguma ajuda.

 

Missão Cumprida

Neste interim, o outro pelotão, comandado pelo tenente Oiti, também já se deslocara, juntamente com os soldados do Corpo de Bombeiros. São exatamente 7h20m. Ouvem-se três tiros. Um quarto de resposta, e gritos ecoam no ar, por uma alegria momentânea que logo se transforma em pesar.

Quase que simultaneamente, os dois grupos chegam no local do desastre, onde se vê o mais tétrico e dantesco quadro, mas em parte a missão está cumprida e à exceção do pesar pelos mortos, todo o sacrifício e dificuldade teve um sentido mais altruístico, pela satisfação de se poder ajudar alguém, aqueles que milagrosamente sobreviveram.

 

Eis Como Estão os 5 que se Salvaram

Dos 25 ocupantes do PP-SDJ, Dart-Herald da Sadia, foram estes os cinco que sobreviveram milagrosamente do acidente: Silvia Tavares, passageira; Leildo Cardoso, radioperador de bordo; Armando Cajueiro, passageiro; Roberto Miranda da Fonseca, comissário de bordo; e Oleg Scianghim, passageiro.

Todos os demais perecera, tendo seus cadáveres sido deixado no rastro em que o aparelho sinistrado deixou, em poucas dezenas de metros, ao se arrastar e espatifar-se no alto do Morro da Represa.

 

Como Estão

Logo ao serem internados no Hospital Geral do Exército, dona Silvia teve engessada sua perna direita, na altura do fêmur, recebendo medicação nas escoriações recebidas no choque. O radioperador Leildo Cardoso, em estado de semi-coma foi submetido a maior dosagem de soro para sobreviver, iniciando-se o trabalho cirúrgico. O diagnóstico inicial revelou fratura da clavícula, osso do nariz e no crânio (osso temporal). Dona Silvia foi colocada em repouso após o acidente, sendo posta fora de perigo. Ambos foram medicados no Hospital do Exército.

 

Vão Sobreviver

Já no Hospital da Policia Militar, no Cajuru, estavam Olleg Scianghim, com perfuração no pulmão e no restante do corpo. Sua operação foi iniciada às 16h15m. O comissário Roberto Fonseca deu entrada no hospital às 13 horas, com fratura no osso temporal do crânio e também perfurações generalizadas. E Armando Cajueiro com fratura na base do crânio, em estrado de trauma. “Todos estão com precárias condições de saúde, mas há grandes esperanças de que sobrevivam”, disse o diretor-geral do Hospital da Policia Militar, major Douglas, que acompanhou as tropas de resgate da COE, ao lado do comandante Clodomir Alamir, da BOA, por terra e por ar.

Entretanto, os sobreviventes estão com traumatismo geral em estado de choque, dada as condições trágicas em que o PP-SDJ acidentou-se.

 

O Porque dos 26

A passageira Guiomar C. Morses, constante da lista oficial de passageiros do “Dart-Herald” sinistrado, não embarcou no aeroporto de Congonhas, tendo seu lugar sido ocupado por outra pessoa. Seu nome figurou na lista das vítimas fornecida em São Paulo, causando confusão quanto ao número de pessoas a bordo, que seriam 26, quando na realidade houve uma troca na última hora.

Um funcionário do DAC, Ailton Lopes, ocupou o lugar destinado à passageira Guiomar C. Morses, que ficou em São Paulo e logo após figurava como uma das vítimas do sinistro aviatório. O DIARIO DO PARANÁ em sua edição de ontem publicou uma relação de 26 nomes com base nas informações em São Paulo.

 

Muita Angústia nos Sobreviventes

“Doí muito a minha perna. Me deem uma anestesia geral. Estão todos mortos. Eu sei, eles morreram todos”; As dramáticas palavras foram proferidas pela dona Silvia Tavares ao descer amparada do helicóptero ontem no Aeroporto Afonso Pena. Lucida e sendo a sobrevivente em melhores condições físicas, dona Silvia Tavares achava-se com ambas as pernas fraturadas. Seus dois filhos e marido pereceram no acidente.

 

Relação dos Mortos

Cauibi, Marcos e Gisele Tavares, residente a rua Maranhão 1.019 em São Paulo; José e Elisa Cedro; Ailton Lopes; Enio Mansur; Florinda Maianese; Gregório Tefeld; Luiz Menezes; Osvaldo Romeo; Amadeu Baggio; Clarice Paliundo; Alcides Siveira; Airton Magnaini; comandante João Luiz Sá Freita de Faria; co-piloto Joaquim da Costa; comissário Antônio Simão Jorge Dib; Dídimo Agapito Veiga e Michel Ferraz Saad.

 

Esperança foi até o fim

O nervosismo estampado na face dos parentes e conhecidos que estavam no Aeroporto Afonso Pena era a constante maior da manhã e no início da tarde de ontem. Ninguém sabia os nomes dos sobreviventes. E todos esperavam, numa esperança desesperada, que fosse um dos seus o sobrevivente que logo mais chegaria de helicóptero. Nunca poderá ser esquecida a expressão tensa do sr. Rivair Maianazo, que na esperança angustiosa de sua mãe, Florinda Maianazo, fosse uma das sobreviventes, conversava com todos os presentes, respondia aos repórteres. Andava de um lado para outro, “Ouvi dizer que havia uma mulher viva. Tem que ser minha mãe”. Mas a dura realidade é que não era.

 

Irmão Que Chega

Desde as 10 horas da manhã que o sr. Romeu Cajueiro se achava no “Afonso Pena”, vindo da Guanabara. Logo que soube que havia sobreviventes, o homem parece que nasceu de novo de seu abatimento. E quando encontrou o “mano” ali na maca, mal, ferido, barbudo, gemendo, correu ao encontro da ambulância. Estava mal, mas estava vivo. E isso era o principal.

Às 14h10m, chegou uma senhora. Nervosa, perguntava ao coronel Prince, da Cia. de Saúde, quem eram os vivos, se Michel Saad era um deles. E chorava apenas “Ele é pai do meu filho”.

 

Fonte da Pesquisa: Diario do Paraná – Arquivo Digital – Biblioteca Nacional Digital Brasil.

http://memoria.bn.br/hdb/periodico