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Detalhe do Acervo: Diário do Paraná - Edição de 07/11/1967 - Caderno 1 - Pg 8

Autor: José Carraro
Titulo: Diário do Paraná - Edição de 07/11/1967 - Caderno 1 - Pg 8
Data da foto: 04/11/1967
Categoria: SADIA - Queda de Avião
Sub-Categoria: N/A

Transcrição da Página 8 do Primeiro Caderno – Edição de 07 de Novembro de 1967.

A TRAGÉDIA PELO CAMINHO MAIS DIFÍICIL

O vale profundo se espraiava à proporção que o encontro das duas encostas, do Canal e das Torres, baixada de altitude até se confundir com a acidentada topografia da base, um sem número de morrotes pelos quais serpenteava o rude leito de uma estradinha. Um desse pequenos morros estava diminuindo em seu volume, para dar lugar a uma pedreira que, à força de conceder regulares e rendosos paralelepípedos ao seu proprietário, teria de crescer em prejuízo daquela elevação, mesmo que fatalmente isso a fizesse desaparecer um dia, junto com o morro, e um novo termo geográfico tivesse de designar aquela aberração que modificou o meio natural.

Meia dúzia de casas divididas em dois grupos espalhados, escondiam os habitantes do lugar em seus interiores e uma só delas soltava fumaça branca pela chaminé, denunciando o fogo aceso para o café da manhã. Quando as nuvens pejadas de umidade foram se adensando e subiram mais um pouco, alguns clarões tornaram a paisagem mais coerente e a silhueta de Curitiba evidenciou um paliteiro branco de arranha céus.

O Clube da Montanha de Curitiba é uma espécie de clube de serviço, que age em situações especiais, como no caso do avião “Dart-Herald”, que caiu nas Mananciais da Serra, sexta-feira última. Esse trabalho se caracteriza principalmente, por sua independência e total desinteresse material, embora a independência não queira dizer que seus elementos, empenhados numa busca, não o façam obedecendo a um esquema oficial de coordenação. Alguns de seus mais antigos componentes, há mais de 20 anos escreveu a história do montanhismo paranaense. Henrique Schimidlin é um deles, que aparece nesta reportagem com o seu nome de morro: Vitamina. Outro, por motivos seus e também velho personagem das alturas, não quis ser identificado.

O Morro do Canal é passagem obrigatória na rota Paranaguá-Curitiba e vice-versa. Se o PP-SDJ estivesse exatamente sobre sua rota, teria de bater nesse morro e não onde caiu. Todos os componentes do Clube da Montanha sabem disso, ou quase todos. No seu afã de explorar o conjunto do Emboque, onde também está o Negro (designação que eles preferem ao Carvalho ou da Represa), já viram anteriormente o metal das asas e da fuselagem brilhar ao sol ou foram estremecidos pelo ronco sobre suas cabeças, quando fechado o tempo, em tal rumo que se o avião despejasse qualquer carga poderia perfeitamente atingi-los. Nesse momento do dia da busca isso aconteceu por duas vezes e o roar dos motores davam a desagradável sensação de como que o fantasma do Dart estraçalhado tentasse desta vencer a serra, agora grito inútil que os montanhistas, recompondo a situação, pronunciavam intimamente: - “Boa viagem”.

Pela goniometria mesmo, o morro do Canal está sob a linha que indica o lado menor do triângulo São Paulo-Paranaguá-Curitiba.

De mais a mais, o piloto Zanon, que avistou o aparelho através de uma abertura nas nuvens, em pequeno lapso de tempo, reconheceu pelas fotos que lhes foram exibidas pelo Vitamina, aquele morro cheio de grandes blocos rochosos. (Note-se que estes não se avistam no Negro) e deu até a descrição de um pequeno lago entre o morro e Curitiba. Presume-se que a confusão do piloto deveu-se às más condições do tempo e que outra janela das nuvens, logo a seguir, mostrou as pedras do Canal, originando o erro de interpretação. Acrescente-se que na base oficial das operações, nada restaria a fazer a não ser seguir os grupos em sua busca.

Some-se mais, ainda, a incerteza de uma localização precisa, que a agressividade atmosférica não permitia. Assim, não havia mais que exitar. A expedição de quatro montanhistas e mais um apêndice , da imprensa, seguiu num fuque antigo, que venceu valentemente as estradinhas da região, com carga total e toda aquela chuva.

O relógio do Tozzo marca 8h15min. O primeiro avião sobrevoa um local mais distante, a Noroeste, dá três voltas grandes e retorna a Curitiba. Os picos todos fechados. Nova tentativa, parece o mesmo. Desta vez, vai ao local mais distante, repete uma das voltas iniciais e depois se aproxima, rumo Sul, ao longo da cordilheira. É o primeiro sinal animador, um já débil fio de esperança que reascende o ânimo do grupo de montanhistas. Esse tênue raio iria mostrar-se de todo inútil, depois de ora fornecer ora ganhar intensidade, até que o avião foi avistado, ou o que restava dele, no outro morro.

- “Eles não se cansam...” E não era de se esperar por outra coisa. No Labirinto a situação piorou, um sobe, desce e passa por entre fendas e grutas cravadas na rocha. Quebra de corpo, de braços e pernas, e a superfície áspera roendo o tecido da roupa e do corpo. Antes mais embaixo: - “Você não disse que não subiria mais?”, foi dito duas vezes. A tentação era maior. N última etapa eles subiram sozinhos.

Desse ponto, dede uma rocha pequena, com a superfície arredondada, o morro silente só era acordado às vezes por uma rajada mais forte do vento contra as ramagens, que erguendo então um uivo continuado. Cerca de 30 minutos eles voltaram. Os cimos cobertos, nada avistaram além, só a certeza de que no Canal não havia sinal do avião.

-“É no Mesa, é no Negro”, e em conjeturas assim foi reiniciada a descida, que logo se interrompeu num largo e belo platô. Os aviões e helicópteros, com as nuvens se dissipando e descobrindo os cimos, aproximavam-se cada vez mais, a cada volta, fazendo crer que os destroços estavam perto dali.

O grupo dava sinais e depois, deitados ao comprido, em forma de K, pediam o rumo a seguir dos aviões e helicópteros. Sinal de avião localizado, um aparelho balançou nas asas e o helicóptero sinalizou com luz. Depois passou o pico das Torres e o tá-tá-tá de suas grandes pás estabilizou num só lugar. O Vitamina e o Tozzo voltaram ao cimo sem mochilas. Eram mais de 12 horas (o helicóptero conseguiu pela primeira vez se aproximar do Dart sinistrado), quando gritaram:

-“Dá prá ver o avião daqui”. Não restou um do grupo no lugar. As cinco mochilas ficaram ali, algumas expondo seu pobre conteúdo ao sol e oferecendo precária habitação a alguma caranguejeira. A cauda intacta do PP-SDJ acrescentava um corpo estranho à silhueta do Negro, e um agrupamento de minúsculas gentes aparentava, desde o nosso local, o pente fino de um gigante.

Não houve decepção para ninguém. Os montanhistas ainda enfrentaram novamente o picadão do Negro, para ver a tragédia face a face e examinar a situação em detalhes. Ao repórter restou a canseira de uma missão que, vitoriosa ou não seria inglória. Aos montanhistas fica a espera de novas investidas pelos paredões íngremes, quais lagartixas desprezando o abismo que se oferece fácil ao vôo das andorinhas, mas de um terrível perigo ao menor descuido daqueles escaladores.

Por ora, enquanto o fim-de-semana não vem, só as víboras e aranhas cruzam ou seguem pelas picadas livres das batidas dos coturnos ou assomam o granito que o facão de mato cortou com três ou mais sulcos em forma de seta para indicar o percurso.

 

Reportagem de Paulo Lepka – Diario do Paraná

Fonte da Pesquisa: Diario do Paraná – Arquivo Digital – Biblioteca Nacional Digital Brasil. http://memoria.bn.br/hdb/periodico